O mês de agosto é marcado, no Carmelo, pela figura de Edith Stein, que nos convida a aprofundar as raízes do nosso ser cristão e a encontrarmo-nos com Deus. Desejamos que todos se abram à graça e experimentem a paz e a alegria de pertencerem a Cristo.

a. Vida de graça

O homem consciente do seu ser e do seu sentido em Cristo, entra a formar parte voluntariamente do seu Corpo. Mas o homem no seu interior carece dessa «ponte» que o liga a Cristo e o impede de o seguir só com as suas forças. Quando Cristo convida o homem para o seguir não o deixa só. Conhece a sua natureza e sabe que necessita do dom da graça, que lhe dá a possibilidade de levar a cabo o desenvolvimento da sua vida espiritual para a união com Deus. A partir de então «o que nós podemos e devemos fazer é abrir-nos à graça» (OC V, 210), que, em primeiro lugar, é convite à comunhão com Deus. Uma meta que actua desde o primeiro momento e que o homem conquista progressivamente ajudado pela vida da graça. A vida da graça presente no crente é a que torna possível a união com Deus. É o próprio Deus que se dá ao homem, tornando-se presente na sua mais profunda interioridade.

A graça é em si o dom o próprio Deus, Deus que cria amizade, Deus que se entrega à alma e lhe concede a capacidade de se entregar a Ele: «Deus não exige nada aos homens sem lhes dar ao mesmo tempo a força necessária para cumprir. A fé ensina-o e a experiência da vida, fundada sobre a fé, confirma-o. A interioridade mais profunda da alma é um recetáculo no qual o espírito de Deus (a vida da graça)  se difunde com profusão quando se abre  em virtude da sua própria liberdade. E o espírito de Deus é sentido e força. Dá à alma uma vida nova e torna-a capaz de actividades que não poderia pretender segundo a sua natureza; ao mesmo tempo, orienta a sua acção. No fundo de toda a exigência plena de sentido que se apresenta à alma com uma força de obrigação, há uma palavra de Deus. Não existe nenhum sentido que não tenha no Logos a sua pátria eterna. E aquele que com empenho acolhe em si tal palavra divina recebe precisamente, com esta palavra, a força divina para lhe corresponder» (SF 458).

A vida da graça é algo dinâmico. Não se trata de um dom estático, mas implica a colaboração necessária da natureza e da liberdade da pessoa. Desse modo, favorece a acção transformadora da graça no seu interior: «Mas todo o crescimento da graça constitui também um fortalecimento do ser espiritual e abre à alma uma compreensão mais rica e mais fina para a palavra divina, para o sentido sobrenatural, que se exprime a partir de todo o acontecimento e se torna perceptível também como correspondência na sua interioridade. Por isso a alma que, em virtude da sua própria liberdade, se apoia no espírito de Deus ou na vida da graça, é capaz de uma renovação e de uma transformação total» (SF 458-459).

A vida da graça concede ao homem a capacidade de responder ao chamamento de Deus e de se entregar a Ele. O caminho é o das virtudes teologais que dão ao homem a capacidade de acolher a Deus (fé), de crescer e progredir no caminho (esperança), e de entrega livre e confiada (amor). Indicamos brevemente alguns dos conteúdos sublinhados por Edite Stein em cada uma das três virtudes.

b. A fé

A fé é o fundamento da vida espiritual sobrenatural. O caminho é impossível sem ela. É a virtude que facilita o diálogo entre a graça divina e a liberdade do homem, necessário para fazer todo o caminho; mais ainda, a fé é «o caminho para cuja meta a alma tende, para a união com Deus. Porque só ela nos dá conhecimento de Deus» (OC V, 251).

A fé como acolhimento da verdade de Deus e do próprio Deus, aproxima-nos de Deus a partir do que Ele é, e por isso Edite Stein fala de semelhança ligando-se com a visão sanjoanina e dionisiana:

«A obscuridade que conduz até Deus é, como já sabemos, a fé. É o único meio que nos leva à união, porque põe a Deus diante dos nossos olhos tal como Ele é: infinito e Trino-Uno. A fé é semelhante a Deus porque ambos cegam o entendimento e aparecem-lhe como treva… Nesta obscuridade oculta-se a luz da verdade. Será descoberta e irradiará quando desapareça a fé ao acabar a vida. Mas entretanto temos necessidade dela. O que ela nos dá – a contemplação –, é um conhecimento obscuro e geral» (OC V, 256).

c. A esperança

A virtude da esperança é a que mantém o homem em contínua tensão de busca da vida eterna: é um convite constante a viver o momento presente como parte do caminho para a plenitude total. Por isso, define-se como dinâmica, porque coloca o homem em contínuo movimento e em disposição de entrega a Deus no qual confia. A esperança transforma-se na vida do crente em confiança plena num Deus que nos ama e nunca nos deixa sós.

Edite explica-no-lo assim: «É por todos conhecida a parábola das aves do céu e dos lírios do campo. No entanto, quando se encontram com um homem que não tem nem fortuna, nem jubilação, nem segurança e que vive despreocupado pelo seu futuro, então meneiam a cabeça como se tratasse de um caso anormal. Está certamente equivocado quem pense que o Pai do Céu se preocupará continuamente do salário e do nível de vida que o homem considera idóneo; quem assim pense fez um cálculo muito errado. Tais condições não se escrevem num contrato com o Céu. A confiança em Deus pode chegar a ser inamovível apenas se estamos dispostos a aceitar tudo o que vier da mão do Pai. Somente Ele sabe o que nos convém. E se alguma vez fossem mais convenientes a necessidade e a privação que uma renda segura e bem dotada, ou o fracasso e a humilhação melhor do que a honra e a fama, há que estar também disposto a isso. Somente assim se pode viver tranquilo no presente e no futuro» (OC IV, 239).

d. Amor

Edite Stein pensa que Deus e a Trindade se compreendem só como amor, que é a sua essência. O homem que quer penetrar na vida divina consegue-o no amor; um amor que surge da experiência da graça, que «consiste em conhecer a Deus enquanto ser amante, em conhecer que Ele nos ama» (SF 471).

O amor, à diferença do que acontece com a virtude da fé e da esperança, é a participação do ser mesmo de Deus, pelo que se entende que o conteúdo da união com Ele é só o amor. Um amor que embora nasça como dom de Deus, tem que produzir no homem o mesmo efeito: entrega livre e voluntária nas mãos de Deus. Um amor que se torna não só dom ao amado, mas a todas as criaturas: «E se o amor de Cristo vive em nós, então agiremos como Ele agiu, e iremos em busca da ovelha perdida» (OC IV, 238).

Carmelo de Cristo Redentor