O perdão dos pecados
«Nós não temos um Sumo-Sacerdote incapaz de se compadecer dr nós. Pelo contrário Ele fez-se igual a nós em tudo excepto no pecado.»
A dimensão do nascimento de Jesus para este mundo é essencialmente uma dimensão de amor expiador – Ele assume a nossa carne: “O verbo se fez carne e habitou entre nós” para nós assumirmos a ‘nossa’ condição divina.
Subjacente ao mistério do nascimento redentor está na mente do Pai a reconciliação do homem com Deus. A experiência da Encarnação Redentora, na vivência interior da minha alma, está acompanhada pela expiação do pecado.
Suportar o peso do medo, da falta de fé, do orgulho, da inveja e do ciúme, conhecer as zombarias, ser considerada doente, a angústia, o desprezo, o peso da acusação, o escutar as vozes de vitória, o conhecer as ciladas e armadilhas, o sentir as forças do mal a condenar-me, a fazer-me entrar na solidão, na tristeza e na angústia do jardim das Oliveiras, tudo isto faz parte da minha participação no mistério do nascimento do Redentor. É um pré-anuncio da minha comunhão com a missão do Verbo feito carne.
Tudo parece definhar, o corpo e o espírito, e sucumbir ao peso do pecado. Porém o Senhor “está comigo como poderoso heroi”. Enquanto o meu corpo e o meu espírito sofrem a agonia da morte invade-me e sustenta-me outra vida, a vida de Deus. É Ele que me sustenta e me faz caminhar sob o peso do pecado com fortaleza e alegria.
Esta vida divina é de tal ordem e pode chegar-nos a possuir tão plenamente que ainda que o peso da penitência caia sobre nós, é um peso tão leve tão suave que é como se não o suportássemos. Como se o Senhor o tivesse suportado para nós de tal maneira que o corpo quase não o sente e o espírito é inundado de alegria por dar a vida pelo Senhor, já que a vontade reconhecendo o grande amor e misericórdia com que é amada não tem outro desejo senão retribuir em algo ao seu Esposo dispondo-se a entregar-se totalmente ao peso da Cruz.
Assumo as palavras que Jesus dirigiu a Santa Faustina e que, nesta Via-sacra, fez minhas: «Jesus apareceu-me despojado das suas vestes , com o rosto ensanguentado, coberto de escarros, os cabelos desalinhados e disse-me: “A esposa tem que se parecer com o seu Esposo”. Entendi o que Jesus me dizia, tinha que me parecer com Ele na humildade e no sofrimento.»
Jesus chama de esposa o que dá a igualdade de condição e depois diz em que é que quer que a Sua esposa se pareça com Ele – «Ele que era de condição divina não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si próprio, assumindo a condição de servo. Como homem humilhou-se ainda mais obedecendo até à morte e morte de Cruz.»
Para a Esposa celebrar o dia da Paixão do Seu Esposo, no dia da sua Profissão Religiosa – o dia da sua “união sacramental” com o Esposo, dia em que a Mãe Igreja lhe diz que está desposada com Cristo, é comungar do seu mistério de Cruz, do seu mistério de expiação e morte e do seu abaixamento, a humildade. É a dimensão de expiação da Aliança que o Esposo lhe destinou como participação das núpcias eternas.
Ó Divino Esposo
coroado de espinhos,
coberto com o manto dos meus pecados
e dos pecados da humanidade,
não posso senão dizer-te:
Eis-me aqui.
Não fujo à cruz,
não volto o rosto ao sofrimento,
quero ser o teu cirineu
e suportar conTigo o peso da Cruz.
Quero ser Tua verdadeira esposa
e comungar conTigo do peso
da Tua Cruz.
Obrigada, por cada momento em que me unes a Ti
e me fazes suportar o peso do pecado.
Toma tudo o que quiseres
e faz-me participar sempre mais
na Tua Encarnação Redentora
para glória do Pai e
bem dos irmãos.
Que todos possam ter a vida eterna
que é conhecimento da Verdade e Amor
do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
O acesso a Deus
«Chegaram as núpcias do Cordeiro e a Sua Esposa está preparada»
«Não quiseste oblações e holocaustos, mas formaste-me um corpo, então eu disse: «Eis que venho, ó Pai, para fazer a Tua vontade». «A Tua lei está no meu coração».
Neste contexto de Aliança sucede a ressurreição de Cristo. E depois da Ressurreição do Senhor Jesus estamos em Cristo, por isso Ele pode dizer-se em nós, ou melhor, Ele diz-se em nós como Eterno Vivente – Aquele que continua a viver a Sua própria vida em nós. «Quem me come viverá por mim, como o Pai me enviou vive e eu vivo pelo Pai» – este é o testemunho com que o Ressuscitado faz de nós testemunhas da Sua Ressurreição.
A primeira coisa que Ele diz a cada um de nós é: Tu és meu/minha e di-lo tão no íntimo do nosso ser que nos dá a certeza de que Ele assumiu a nossa existência como Sua para nos fazer viver como Ressuscitados. Por isso podemos procurar na nossa vida a Sua presença, a Sua passagem e esperar que nos dirija a Sua Palavra divina para nos fazer entender a nossa história de salvação.
Quando encontramos estes momentos da presença de Cristo na nossa vida, verificamos que não fomos nós que vivemos – foi Ele que os viveu em nós de tal forma que não são nossos, são Dele são presença divina em nós.
A segunda coisa que Ele nos diz é: «Eu Sou teu e Todo para Ti». Este «Todo» é a totalidade do mistério de Cristo como Homem e Deus, como Crucificado e Ressuscitado. Este dom é a misericórdia que Deus nos pode fazer. É o dom total do Esposo à esposa, é o dom da Aliança. A alma sente-se totalmente revestida pela misericórdia divina. Revestida de suavidade e glória.
A misericórdia grande, grande é de facto a manifestação do Ressuscitado como verdadeiro homem. Como homem Ele sofreu e morreu pelos nossos pecados/pelos meus pecados e agora vive de modo novo na dimensão do Deus vivo. Ele vem ao nosso encontro como verdadeiro homem, mas a partir de Deus. Ele vive de modo novo na comunhão com Deus e é assim que vem ao nosso encontro, como o Eterno Vivente, como a Fonte de Vida.
Escutar de novo a voz do Pai que diz: «Este é o meu Filho muito amado» e vê-lo vir ao nosso encontro como Homem é vislumbrar as entranhas de amor e misericórdia do Pai abertas para nós. Contemplar desde o Ressuscitado o homem que sofreu e morreu pelos meus pecados é reconhecer que Deus me cobriu com o Seu Manto de misericórdia para me fazer morar no Seu Amor.
A misericórdia está em fazer-me morar no Seu Amor, em fazer-me participar nesta re-edificação do Corpo de Cristo – do Templo que foi destruído na sua morte e reconstruído na sua ressurreição. É a força misteriosa da Criação Ressuscitada. A misericórdia está impregnada de grande doçura – isto é verdadeira justiça porque pela misericórdia Deus iguala-nos a Si. A misericórdia é o único que nos capacita para acolher a Deus na Sua Totalidade: «Eu Sou Teu e todo para Ti».
Com a Ressurreição de Jesus a Aliança alcança a Sua plenitude e a misericórdia revela-se como plenitude do dom da Aliança – porque é aí que o Senhor Ressuscitado nos diz: «Eu sou Teu e Todo para Ti».
Eu sou Teu e Todo para Ti – é o sacramento do Ressuscitado ao entrar em cada vida. Significa a posse do Eterno Vivente pela alma. A alma “sente na fé” que o Senhor lhe diz que por ela Ressuscitou. E se ressuscitou por Ela foi para se dar a Ela como Ressuscitado – para estabelecer com ela uma relação de troca de bens divinos.
Este «Sou Teu e todo para Ti» podemos entendê-lo como mistério Dele vir ao nosso encontro e de se fazer encontrar por nós, como aconteceu com os discípulos:
Ele vem ao encontro – Sou Teu
«Já amanhecera. Jesus estava de pé, na praia, mas os discípulos não sabiam que era Jesus. Jesus disse-lhes: ‘tendes algum peixe?’ Responderam-Lhe: ‘não’. Disse-lhes: ‘Lançai a rede à direita do barco e achareis’ (…) (Jo 21).
Dá-se de todo (na totalidade do seu ser de Crucificado e Ressuscitado) – Todo para Ti
«Disse-lhes Jesus: “Vinde comer!” Nenhum dos discípulos ousava perguntar: “Quem és Tu?”, porque sabiam que era o Senhor. Jesus aproximou-se tomou o pão e distribuiu-o entre eles; e fez o mesmo com o peixe.» (Jo 21)
Sabiam que era o Senhor não pelo que viam, mas pelo que o seu coração lhes dizia, sabiam-no desde dentro. É um reconhecimento a partir de dentro que permanece sempre envolvido em mistério. Algo dentro nos faz conhecer que estamos na presença do Senhor.
«Sou Teu e Todo para Ti» na linguagem da Ressurreição significa: aparecer, falar e estar à mesa, isto é, despertar o olhar interior, aquecer o coração com o calor da Palavra que é vivificação da mesma pelo Espírito de Amor, estar à mesa que é comunhão de vida – comunhão de vida divina: a comunhão de vida é renovação da Nova Aliança.
A Nova Aliança une a Última Ceia de Jesus e esta nova refeição: Porque Ele se dá como alimento, fá-los participar na sua vida, na própria vida – é o que Ele diz a Pedro, já na Última Ceia ao afirmar: «Se não te lavar os pés não terás parte comigo», porque Ele lhe lava os pés, e Pedro deixa-se lavar, Pedro participa da Vida.
«O Senhor atrai novamente os discípulos para a Comunhão da Aliança conSigo e com o Deus Vivo. Fá-los participar na vida verdadeira, torna-nos a Eles próprios Vivos e tempera a sua vida com a participação na sua paixão, na força purificadora do seu sofrimento».
A nova comunhão com o Ressuscitado é uma comunhão de vida, uma comunhão que entra na história mas ultrpassa-a, porque se trata de acolher Deus na nossa vida de se abrir ao Ressuscitado e deixá-lo viver em nós.
«Sou Teu e todo para Ti», significa ainda o que Jesus diz aos seus discípulos: «Fazei isto em memória de mim». O “fazer memória”, o “ser memória” implica acolher-se de todo de Deus e acolher o Todo de Deus, de tal forma que seja o próprio Deus que faça memória de Si mesmo. Jesus aproxima-se toma o pão que é a nossa vida, distribui-a como alimento de muitos. Sabemos que é o nosso ao partir do pão, porque vemos a nossa vida transformada na de Cristo e Cristo a entregar-se nela.
O facto do Ressuscitado nos fazer participar da sua vida significa que nos introduz num dinamismo novo de vida que é a Nova Aliança, em que o Verbo como que volta a Encarnar. O mistério do Pai nos sustentar a vida é igual ao da geração do Verbo. É no Verbo que Ele nos sustenta a vida. Adoramos e participamos no mistério da pobreza do Pai, da Sua expropriação na geração do Verbo, quando nos acolhemos d’Ele.
«O Verbo se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória de Unigénito do Pai cheio de graça e Verdade». O “ver” a glória do unigénito do Pai significa ser introduzido no dinamismo de vida, de graça e verdade – o mesmo que Jesus afirma à samaritana: «Os verdadeiros adoradores são os que adoram em espírito e verdade». Isto é fruto do Ressuscitado que actua na nossa vida, mas como Deus Vivo e por isso faz obras de vida eterna.
Carmelo de Cristo Redentor, Aveiro.