Convém notar que, enquanto a alma

não chega a este estado de união de amor,

convém-lhe exercitar o amor

tanto na vida activa como na contemplativa.

Mas, quando já chegou a ele,

não lhe é conveniente ocupar-se em outras obras

e exercícios exteriores

que lhe possam impedir um pouco

aquela assistência de amor em Deus,

embora sejam de grande serviço de Deus,

porque é mais precioso diante Deus

e da alma um pouquito deste puro amor

e mais proveito faz à Igreja,

embora pareça que não faz nada,

que todas essas outras obras juntas.

Por isso, Maria Madalena,

embora desse grande proveito

com a sua pregação

e depois ainda o viesse a dar maior,

pelo grande desejo que tinha

de agradar ao seu Esposo

e de dar proveito à Igreja,

se escondeu trinta anos no deserto

a fim de se entregar toda a este amor,

parecendo-lhe que de todas as maneiras

esta era a que mais lucro lhe daria,

pelo muito que aproveita

e importa à Igreja um pouquito deste amor.

E assim, se uma alma

tivesse algo deste grau de solitário amor,

grande agravo lhe fariam

assim como à Igreja, se,

ainda que por pouco tempo,

a quisessem ocupar

em coisas exteriores ou activas,

embora fossem de muita importância.

Pois, se Deus conjura

que a não despertem desse amor,

que se atreverá e ficará sem repreensão?

Enfim, para este fim de amor fomos criados.

Advirtam pois aqui os que são muito activos

e que pensam abraçar o mundo

com as suas prédicas e obras exteriores,

que dariam muito mais proveito à Igreja

e agradariam muito mais a Deus,

à parte o bom exemplo que dariam,

se gastassem sequer a metade desse tempo

com Deus na oração,

mesmo que não tivessem chegado

a uma tão alta como esta.

Certamente, fariam então mais

e com menos trabalho

com uma obra que com mil,

merecendo-o a sua oração

e tendo cobrado forças espirituais

nela;

porque de outra forma tudo é martelar

e fazer pouco mais que nada,

e às vezes nada,

e até às vezes dano.

Porque Deus os livre que se comece

a desvanecer o sal (Mt 5, 13), pois,

embora pareça exteriormente que fazem algo,

em substância não será nada,

certo como é que as boas obras

não se podem fazer senão com a virtude de Deus.

CB 29, 2-3

Eulogio Pacho, As mais belas páginas de S. João da Cruz, Edições Carmelo, Avessadas p. 82.