É coisa muito fácil
julgar do ser e da alteza de Deus
menos digna e altamente
do que convém à sua
incompreensibilidade.
Porque, embora a razão e o juízo,
não faça conceito expresso de que Deus
será semelhante a algo do entendido,
no entanto, a própria estima
daquelas apreensões,
se, enfim, as estima,
faz e causa na alma um não estimar
e sentir de Deus tão altamente
como ensina a fé,
que nos diz ser incomparável,
incompreensível, etc.
Porque, além de que tudo
quanto a alma põe na criatura, tira de Deus,
faz-se naturalmente no seu interior,
por meio da estima
dessas coisas apreensíveis,
certa comparação entra elas e Deus,
que não deixa julgar e estimar de Deus
tão altamente como deve.
Porque as criaturas,
quer terrenas,
quer celestes,
assim como todas as notícias e imagens distintas,
naturais e sobrenaturais,
que podem cair nas potências da alma,
por elevadas que sejam nesta vida,
nenhuma comparação
nem proporção
têm com o ser de Deus,
porquanto Deus não cai debaixo de género
ou espécie,
e elas sim, como dizem os teólogos.
E a alma, durante esta vida,
não é capaz de receber clara e distintamente
senão aquilo que cai debaixo de género e espécie.

S 3, 12, 1

Eulogio Pacho, As mais belas páginas de S. João da Cruz, Edições Carmelo, Avessadas p.28.