Querer saber coisas por via sobrenatural,

tenho-o por muito pior

que querer ter outros gostos espirituais

no sentido.

Porque eu não vejo

como uma alma que isso pretende

possa deixar de pecar, pelo menos venialmente,

por melhores fins que tenha

e por mais posta na perfeição que esteja,

assim como quem lho mandasse ou consentisse.

Porque não há necessidade de nada disso,

pois temos a razão natural

e a lei e doutrina evangélica,

por onde mui suficientemente

se podem reger,

e não há dificuldade nem necessidade

que não se possa desatar e remediar

por estes meios

muito ao gosto de Deus e proveito das almas.

E tanto nos havemos de aproveitar

da razão

e da doutrina evangélica, que,

ainda que agora, quer o quiséssemos ou não,

nos dissessem algumas coisas

sobrenaturais,

só havemos de receber o que

cai em muita razão e lei evangélica.

E então havíamos de recebê-lo

não por ser revelação,

mas porque é razão,

deixando de parte todo o sentido de revelação;

e ainda então convém ver

e examinar aquela razão

muito mais do que se não houvesse

revelação sobre ela,

porquanto o demónio

diz muitas coisas que são verdadeiras

e por vir, conformes à razão,

para enganar.

S 2, 21, 4

Eulogio Pacho, As mais belas páginas de S. João da Cruz, Edições Carmelo, Avessadas p. 80.