Não havendo portanto mais artigos a revelar
a respeito da substância da nossa fé
além dos que já foram revelados à Igreja,
não só se não há-de admitir o que
a seu respeito de novo se revela à alma,
mas convém, como cautela,
não admitir outras variedades aí envoltas;
e por causa da pureza que a alma
deve ter na fé convém que,
embora lhe revelam de novo as já reveladas,
as creia, não por então se revelarem de novo,
mas porque já estão bastante reveladas à Igreja;
e cerrando-lhes o entendimento
singelamente se arrimem à doutrina da Igreja
e à sua fé, que, como diz S. Paulo (Rm 10, 17),
entra pelo ouvido,
e não acomode o crédito e entendimento
a estas coisas de fé reveladas de novo,
por mais conformes
e verdadeiras que lhe pareçam,
se não quer ser enganado.
Porque o demónio,
para ir enganando e ingerindo mentiras,
engoda primeiro com verdades e coisas verosímeis
para assegurar e logo ir enganando;
é como a cerda do que cose couro,
primeiro entra a cerda tesa
e logo atrás dela o fio frouxo,
que não poderá entrar
se não lhe fora guia a cerda.
E olhe-se muito a isto;
porque mesmo que fosse verdade
não haver perigo do dito engano,
convém muito à alma
não querer entender coisas claras
acerca da fé, para conservar
puro e inteiro o mérito dela
e também para chegar,
nesta noite do entendimento
à divina luz da divina união.
S 2, 27, 4-5
Eulogio Pacho, As mais belas páginas de S. João da Cruz, Edições Carmelo, Avessadas p. 79.