a. A abadia beneditina de Beuron
Um dos aspectos biográficos que não podemos esquecer, porque terá uma incidência fundamental na sua vida, é o seu contacto com a abadia beneditina de Beuron, que enriquecerá tanto a sua vida espiritual como o conteúdo das suas conferências. Logo a seguir ao seu baptismo Edite teve como confessor e director espiritual o vigário da diocese de Espira, Joseph Schwind, que a acompanhou até ao mês de Setembro de 1927, data da sua morte. Orientada pelo jesuíta P. Erich Przywara, Edite dirigiu-se na Semana Santa de 1928 à abadia beneditina de Beuron, para viver no silêncio a Semana Santa e encontrar aquele que seria, a partir de então, o seu director espiritual, o abade P. Rafael Walzer.
De facto, a partir da Páscoa de 1928, as suas visitas a Beuron serão contínuas, especialmente para viver ali a Semana Santa, a Páscoa, os Natais e outras festividades. Esteve aqui um total de 15 vezes entre 1928-1933.
A abadia beneditina de Beuron era então um foco de ebulição litúrgica, artística e espiritual. Além disso, era a abadia principal da assim denominada “Congregação de Beuron”, à qual pertencia, entre outros, o mosteiro de Maria Laacht, conhecido pelo seu papel importante na promoção do movimento litúrgico.
Em Beuron havia quase 300 monges. No complexo monacal tinham a sua própria faculdade de teologia, uma escola de arte cristã, centro de publicações, o “instituto para a Vetus Latina” de fama internacional… Mas o que vai distinguir nestes anos é o fomento do movimento litúrgico que, em união com a abadia associada de Maria Laach, farão muito presente entre os católicos alemães. A partir daqui se fomentará a edição dos missais populares (conhecidos como “Schott” na Alemanha) que serão um instrumento que ajudará os leigos a viver a riqueza da liturgia da Igreja.
Em Beuron, cuidava-se muito o Ofício Divino. O canto gregoriano animava a liturgia e exercia o seu encanto em quantos ali se aproximavam. Consta que, em ocasiões, certas personagens como Heidegger, Romano Guardini, Max Scheler encontravam aqui um lugar de retiro e de vivência da liturgia.
O abade mitrado, o P. Rafael Walzer, foi um homem que soube governar durante anos a abadia com grande discrição. Nele, tal como indicamos, Edite encontrou o “abade do seu claustro”.
A esta abadia pertenciam alguns monges muito conhecidos no âmbito da espiritualidade e da mística: Anselm Stolz e Alois Mager. À abadia associada de Maria Laach, por onde passou também Edite, pertencia Odo Casel. Possivelmente a nossa autora manteve com ele algum encontro, dado que entre os seus manuscritos encontramos umas folhas nas quais Edite transcreve alguns textos manuscritos de Casel. (Ditas folhas conservam-se no Carmelo de Colónia).
Edite Stein preferirá, por muitas razões, este lugar. Inclusive numa ocasião parece que se atreveu a sugerir ao P. Abade que rompesse com a distinção entre irmãos leigos e coristas. Parecia-lhe impossível que, podendo gozar de tanta riqueza, se privassem os leigos de participar na liturgia. Era certamente um costume da época que vai desaparecer com a chegada do Vaticano II (Müller-Neyer 182).
b. A “pátria monacal”
Beuron significou para Edite um enriquecimento em muitos sentidos, mas fundamentalmente porque aqui entrou em contacto com a sublimidade da liturgia e o florescimento do movimento litúrgico. Em muitos dos seus escritos há marcas iniludíveis da profunda influência da liturgia no seu pensamento, sobretudo quando propõe a necessidade de uma vida litúrgica e eucarística como modelo de espiritualidade para o cristão. Inclusive ela própria promoveu a introdução do uso do “Schott” em Espira. Mais tarde, já no Carmelo, procurará transmitir à sua comunidade a importância e o valor de participar na liturgia com a mente e o coração.
Um acontecimento que parece profundamente ligado a Beuron é a realização dos “votos privados”. A data não é totalmente clara, possivelmente no mesmo ano em que entra em contacto com a abadia beneditina de Beuron e com o seu Abade, ao qual toma, a partir desse momento, como director espiritual. E embora a própria Edite não dê pormenores deste facto, temos alguns testemunhos que nos levam a concluir esta data como a mais provável. Um vem-nos directamente da pena de Edite Stein. Fala dos seus votos no mesmo contexto em que nos fala do P. Rafael Walzer: “No entanto, não queria dar este passo (ir a Roma) por minha própria conta. Tinha feito havia já vários anos os santos votos em privado. Desde que encontrei em Beuron uma espécie de lar monástico, vi no Abade Rafael o “meu Abade”, e apresentava-lhe, para sua resolução, todo o assunto importante” (OC I, 498).
O próprio Rafael Walzer nos seus testemunhos no-lo dá a entender assim: “Já antes de entrar no convento tinha feito voto a Deus de observar os conselhos evangélicos” (Positio 188).
Edite Stein hospedava-se sempre que podia em casa da família Mayer, da qual, bastava atravessar a ponte de madeira para chegar imediatamente à praça em frente da Igreja. Ali assistia a todos os ofícios corais, mas passava também longas horas em silêncio orante. A Sexta-feira Santa era dia de silêncio e de jejum para ela.
O espírito litúrgico vai permear intensamente a sua vida. Inclusive contribuirá com alguma pequena parte para o missal “Schott”, traduzindo e adaptando algum hino.
O P. Rafael incentivará continuamente a Edite para que ponha ao serviço da sociedade o seu grande talento. Por isso, repetidas vezes, será ele a refrear os seus desejos de entrar num convento. É possível que, graças à sua orientação, Edite comece a sair cada vez mais do círculo estreito de Espira. De facto, a partir de 1928 começa a intensificar-se a sua actividade de conferencista.
Carmelo de Cristo Redentor