Minha querida Irmã
tomo a liberdade de me sentar junto de si e em silêncio contemplar Aquele que um dia a seduziu e a convidou a deixar tudo para O seguir. Peço-lhe que me perdoe a ousadia e que me permita falar-lhe da única pergunta que Cristo nos vai fazendo ao longo da nossa vida, a mesma que fez a Pedro: «Tu amas-me?»
Não sei qual seria a resposta da minha Irmã, neste momento, mas sei que a esta pergunta só cada um de nós pode responder e apenas apoiado no amor com que se vai deixando amar por Cristo, diariamente. Em cada momento da nossa vida lá está o Senhor
a dizer-nos: «Tu amas-me?» Tudo seria muito fácil se Ele contentasse com a resposta que demos ontem, mas hoje Ele espera de nós um amor renovado, uma nova entrega, uma fidelidade que englobe a totalidade do nosso ser, uma simplicidade que se traduza em abandono e confiança. O desafio que Ele nos põe com esta pergunta é o de reconhecermos a cada instante o amor com que Ele nos está a amar. Este desafio não é tão simples quanto parece à primeira vista, porque é um amor que pauta por romper as nossas seguranças, as nossas lógicas, as nossas perspetivas de futuro, as nossas razões, tudo o que implica o estarmos no centro. Esta é a forma que Ele tem de nos fazer passar pela experiência linda de sermos barro nas mãos do Oleiro. Um barro trabalhado cuja obra está já a ser modelada e ganha forma, mas porque o Oleiro quer fazer uma obra ainda melhor, deita abaixo a primeira e volta a começar de novo (Jer 18).
O amor do Senhor chega a nós pelas formas mais surpreendentes e desconcertantes, precisamente porque é amor. A primeira vez que o Senhor me manifestou o Seu amor fê-lo de forma tão desconcertante que eu apenas lhe pude responder: «eu entreguei-te a minha vida e Tu entregaste-me à morte, porquê?» Este foi o maior desconcerto – desde muito cedo Ele tinha-me chamado, disse-Lhe SIM e depois de deixar tudo para O seguir, Ele faz-me passar pela morte estando ainda viva.
Na verdade, agora sei que não podia ter maior intensidade e profundidade de amor para me envolver e sustentar do que aquela, mas naquele momento pregar-me na Cruz e entregar-me à morte foi para mim incompreensível. Porém, se por um lado Ele me entregou à morte e eu já não tinha horizonte de vida, porque tudo caiu por terra, por outro lado Ele de forma oculta e na escuridão da noite não deixava de me impelir para O procurar. Procurava não sei o quê, mas não podia não procurar. Não tinha nada para Lhe oferecer, o que podia um morto oferecer a Deus? Ele só queria que eu aceitasse o que Ele me queria oferecer e para isso me preparava, mas confesso que porque não conhecia a dimensão espiritual da vida e a profunda purificação que Deus estava a fazer, parecia-me que era impossível que Ele me amasse e que eu lhe pudesse servir para algo.
Descobrir a morte como plenitude de amor, foi um caminho longo e doloroso, porque exigiu uma purificação grande, mas um caminho em que Deus me tomou nas Suas Mãos e me ensinou o que é o amor, o que é o deixar-se amar e o que é responder diariamente à pergunta que Jesus me faz: «Tu amas-me?» Ele capacitou-me para Lhe responder com o amor com que Ele me ama.
Ele sempre nos prepara para aquilo que quer de nós e fá-lo fazendo-nos experimentar a nossa incapacidade, a nossa debilidade, a nossa impotência para depois nos dar a resposta que Ele espera de nós, para depois se dar Ele mesmo a nós e agir através de nós. O processo da união com Cristo está aqui, neste entregar-nos à morte para nos converter em espaço de nova encarnação. Neste purificar a nossa humanidade para que Ele a possa assumir como Sua e seja Ele em nós, neste mistério de amor lindo que Ele pede ao Pai: Que eles sejam um como nós somos um, Tu em mim e Eu neles e que o Amor com que Tu me amas-te esteja neles e Eu esteja neles. É para aqui que o Espírito de Deus nos conduz, porque em cada um de nós é esta participação no mistério da Encarnação, é este mistério da união com Deus que o Espírito quer realizar. Cabe a cada um Deus permitir a Deus levar por diante a Sua obra de nos transformar em amor, à imagem do Seu Filho muito amado.
O nosso SIM, a nossa resposta à obra de Deus não pode ser diferente da resposta de Jesus: «Eis que venho, ó Pai, para fazer a tua vontade» e da resposta daquela que ousou acreditar e dar a sua vida a Deus como espaço da Sua manifestação nesta terra, Maria. Cada uma de nós tem em si, esculpidos no íntimo da sua alma o rosto de Cristo e unido ao coração de Cristo o coração de Maria, são os traços do amor forte que une Mãe e Filho que constituem a nossa verdadeira identidade interior, trata-se de resgatar este amor. E este resgate só é possível pela fé. A fé que é correr o risco de abrir a vida à experiência daquilo em que queremos acreditar. De abrir a vida à existência de Deus, de abrir a vida à experiência de O deixar ser um Deus connosco, o que Ele é verdadeiramente.
«Tu amas-me?» Hoje eu respondo: eu amo-Te porque Tu me converteste na hóstia pequenina que entregas para continuar a redenção do mundo e Te fizeste Tu mesmo o meu Sacerdote Aquele que me imola, o que me entrega e o que se entrega em mim, por mim e comigo.
Minha querida irmã tudo está na n’Aquele que habita no mais profundo do seu coração, na força do Amor com que Ele se entrega por si e a entrega a si. Não busque fora de si a resposta para o seu caminho. Pense que este momento é aquele em que Ele a chama a um amor mais maduro, mais autentico, mais «aniquilado», um momento em que Ele já não quer apenas as suas qualidades, mas a reclama o seu ser inteiro de forma abnegada, como grão de trigo que cai à terra e morre para depois dar muito fruto. Não deixe que a instabilidade da Vida Consagrada e as diferentes exigências dos membros que compõem as nossas comunidades interfiram no seu sentir a força do amor do Senhor, na sua conversão em testemunha do Deus Vivo e Verdadeiro. Lembre-se que que é no seu interior que o Senhor quer dar testemunho de Si, que é desde o silêncio do seu coração que Ele lhe dará a força e a fará escutar a palavra que necessita para continuar o seu caminho de discípula de Cristo.
No momento presente da sua vida Ele entrega-Se a si na pessoa da sua querida mãe. É Ele que se esconde sob a aparência daquele corpo frágil e débil e que reclama o seu amor. Ele está a fazê-la passar a experiência de ser seu cireneu. Uma experiência linda que a vai ensinar o maior de todos os segredos do amor: amar no escondimento, sem brilhos, nem aparências. Um amor que implica o cansaço que desfigura, um amor que é gratuidade continua, um amor que pode ser incompreensão, um amor que aparenta entrega à morte, porém tal como diz o Cântico do Servo de YHWH: Se entregar a sua vida à morte terá como recompensa uma grande multidão. É a promessa da vida eterna e da fecundidade grande como as estrelas do céu e as areias das praias do mar.
Ele ama-a muito e tem a sua vida nas palmas da Sua Mão, digo está a realizar em si a Sua obra de configuração com o Seu Bem-Amado. Seja muito fiel ao amor busque tempos de encontro com Ele, procure a companhia do Cristo que a habita e peça a Maria que a faça entrar pela porta da humildade neste mistério de se entregar totalmente Àquele que a ama desde toda a eternidade e que a destinou para ser sua esposa querida.
Que o Amor do Pai seja o seu conforto, a luz de Cristo seja a claridade que ilumine a sua história de vida e a faça encontrar o Verbo em si, e a força do Espírito o impulso forte e determinado para abraçar a Cruz do Seu Esposo e seguir adiante, confiada não em si mas apenas na vontade de Deus. Lembre-se que «Tudo sucede para bem daqueles que O amam segundo a Sua vontade.»
Hoje o que Cristo quer dizer ao seu coração é: «Amei-te com amor eterno, por isso reservei graça para ti».
Abraço-a com muito carinho e amizade e fico unida a si no mistério de ser discípula de Cristo.
Permanecemos unidas pelos laços fecundos da oração
Carmelo de Cristo Redentor, Aveiro.